"Penetras surdamente no reino das palavras."
Carlos Drummond de Andrade.

quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

É seu.

    E pensar que há meses tudo era e encontrava-se diferente. Não havia os pensamentos fugazes e dispersos ao decorrer do dia, era tudo tão normal, tão rotineiro.
    Não imaginava o quanto algo considerado insignificante por mim conseguisse inverter minhas concepções sempre tão certas e duras sobre o sentido das coisas. Mudou-se minha verdade.
    Sei que não o conheço tão bem quanto deveria, acho que o próprio tempo impediu essa tal de convivência, vivência ou o que quer que seja. E eu sei também que você não me conhece a fundo.
    Nossas mútuas concepções vêm do que dizem sobre nós.
    É estranho dizer o que acontece, é difícil definir algo concreto quando se vive incertezas. Acho que tudo aconteceu inesperadamente, como aquilo que está guardado ou era somente uma vaga ideia e, de repente, desperta, é trazida à realidade, até assusta.
    Acordei e notei que alguém havia mudado meu dia anterior pra um seguinte muito melhor, sorri para o espelho e, por uns segundos, intitulei-me boba, destrambelhada.
    O dia passou, as horas correram depressa, logo caía a noite, escurecia. Já era madrugada quando despertei e rabisquei uns versos num papel amassado. A caneta falhava, reescrevia então.
    O relógio despertou logo em seguida, tateei o criado-mudo: seis da manhã. Não havia passado tanto tempo assim desde que havia cochilado.
    Pés ao chão gelado, ajeitei o travesseiro em meu colo e agarrei o cachorro de pelúcia que havia suportado-me a noite inteira, fechei os olhos. Agradeci por sua vida, por Ele ter-me deixado invadi-la sem sequer pedir licença pra entrar.
    Andávamos por ruas de nomes diferentes, distraídos que estávamos. Era tudo tão normal e previsível.
    É tudo tão real.
    Nossos passos disseram por si só. Há sempre uma escolha, há sempre um passado que mostrará o que partiu. Há sempre uma estação na qual embarcar.
    E eu espero alcançar um porto seguro dizendo-me que é chegada a hora de descer e enfrentar, encarar o destino, seguir em frente. Sinto em saber que a eternidade não se materializa numa noite. Resta-me guardar. Sobram-me lembranças do que fez reviver novamente uma parte de mim que estava adormecida.
     Distraída que estava, você apareceu.
    Surgiu para tornar as horas propensas à gargalhadas inconvenientes, caretas disfarçadas do que prevalece em mim. Absorta em pensamentos, de frente a um caderno velho, um coque desajeitado no cabelo, com um lápis de ponta grossa escrevo essas linhas.
    Toda essa mescla de sensações a que me fez mergulhar, todo esse mundo virado a ponta cabeça, todo esse sol e toda essa escuridão que embaça-me a memória deu base à inspiração em querer dizer que é bom estar junto de ti, independentemente de tempo, hora, fase ou modo. Se foi ontem, se é hoje ou se será semana que vem.