"Penetras surdamente no reino das palavras."
Carlos Drummond de Andrade.

terça-feira, 18 de maio de 2010

Memórias do que [não] ficou pra trás.


   Ainda hoje, tempos depois, me questiono qual o motivo por termos separado o calor de nossas mãos entrelaçadas. Era bom saber que haveria algo que cairia feito luva, aquecendo o frio que, outrora, ocupara seu lugar.   Você não voltou e eu, absorta em pensamentos e caprichos da imaginação, vivo a questionar-me se fiz, realmente, a escolha certa.
    Abro a caixa de entrada de meu e-mail abandonado há tempos e lá está o que fui desencorajada em apagar. Seus parágrafos mal pontuados e seu vocabulário ralo. Eu podia imaginar, a cada linha de visão embaçada que percorria, o modo com o qual você falaria tudo aquilo, olhando internamente certos olhos que, talvez por acaso, seriam os meus.
    E você sabe –muito bem, por sinal- que se o que fizemos indiretamente tivesse acontecido de fato, o destino encarregar-se-ia de manter-nos unidos, assim como fazia em nossos encontros mal marcados.
    Surpresa era sua expressão ao ver-me. Por certo uma mescla de sensações das quais eu não conseguia definir embora quisesse, ingênua que era, com todas as forças que conseguia sugar do que restava –se é que houvesse- de sangue de meu rosto.
    O seu sorriso torto era meu grande –e talvez maior- medo. Eu sabia que ele quebraria qualquer cara amarrada e, por Deus, com a minha não seria diferente.
    Logo estava eu, que tanto queria enraizar meus pés ao chão, descontraindo os músculos de meus lábios a esboçar um largo sorriso. Sim, aquele do qual você tanto falava.
    Era involuntário não fitar a imagem que formava-se ante minha expressão embaraçada e não estar extremamente grata àquilo. Eu sempre percebia e notava, embora descontrolada de meus reflexos que você, de fato, rematava aquele imenso espaço inabitado de minhas manhãs/tardes/noites assustadoramente solitárias.
    Espantava-me com as pessoas que caminhavam sozinhas a conversar conscientemente juntas e cheias de si. Eu, em contrapartida, ansiava desesperadamente ter alguém. E, de fato, tinha. Verbo passado, completo, [in]definido.
    Mas, sabe, creio que não houve um ponto final. Acho que convenço-me disso a cada vez que lembro-me de suas últimas palavras, aquelas que eu lia e, [in]consciente de minha atividade psíquica, traduzia em sua voz, nada parecida com veludo ou algodão. Era áspera e sem timbre, por vezes afinava-se e eu recordo-me, com todos os detalhes possíveis, de quão irritado ficava quando eu repetia, em tom sarcástico, o que acabara de dizer.
    Seu jeito inocente de menino irresponsável e sem importância fizeram de mim alguém melhor.
    Encontrei a felicidade e deixei-a escapar.
    Pra te enganar, escondo nas linhas que escrevo o horror que sinto de quando recorda-me a memória daquela noite. A música parou, no salão havíamos nós. Eu e você. Nada mais. Ninguém mais.
    Seu interior exalava um frio áspero, a feição vazia, os punhos fechados. Meu único desejo era ver-te distanciando-se de meus olhos cerrados. E quanto mais fugia, mais aproximava-se de mim. Eu nunca o odiei tanto. Nunca o joguei para tão longe, como uma força repugnante que apossava-se de meus pulsos nervosos.
    Mas o problema é que eu te queria quero, o problema é que não poderia me afastar do óbvio, negar o óbvio: você estava está bem ali, a minha frente.
    O problema é que eu te odeio, te amando.