Eu não sei bem ao certo o porquê, mas de repente deram-me saudades...
Daquela época em que eu, ingênua que era, brincava de pique-esconde com minhas primas no quintal de casa. Ou de quando nós fingíamos ser –e muito bem, por sinal- Power Rangers a salvar a galáxia que estava em perigo.
Dos meus gritos e escândalos quando era chegada a hora de entrar no ônibus escolar. Poderia ser exagero, manha ou até uma espécie de loucura, mas eu sentia, com todas as minhas forças, medo.
É, medo de que alguém ou algo pudesse me afastar de quem amava pelo tempo que estaria distante –quatro horas. Poderia não ser o maior do mundo, mas eu chorava e sentia calafrios quando pensava, as cinco da manhã, que, a partir dali, mais duas horas e eu estaria entrando num colégio frio, com pessoas estranhas e inteligentes. Era quase masoquismo, mas minha cara de apreensão e de ‘estou esperando o pior’ afligia quase toda a rua que, com a maior das certezas, acordava com minha revolta.
Saudade dos meus álbuns de fotografias de duplas infantis ou dos discos de vinil que eu não deixava ninguém sequer passar os dedos. Jubilosa ficava quando a vitrola começava a reproduzir as primeiras notas. ‘Ursinho pimpão’ se repetia por dez mínimas vezes. Logo ouvia papai gritando da sala de jantar: “Mais uma vez, minha filha?”
No fundo, eles entendiam que meus sonhos ainda eram de areia, tudo era muito compreensível, assim como imaginar que uma nuvem poderia, a qualquer minuto, transformar-se num dragão forte e valente, desses que assistia nos desenhos animados ao entardecer.
Eu era uma simples e ingênua criança. Ainda não conhecia as malícias que a vida, mais à frente, ensinaria ou obrigaria a aprender. Momento efêmero, hoje fica guardado numa simples caixinha de papel, um laço de fita de cetim vermelho pendurado na borda, acima uma etiqueta amarela e, em seu centro a palavra ‘recordações’ escrita à tinta.
Eu me lembro de tudo –ou quase tudo. Fica descrito num lugar absorto, obscuro, longe de ser palpável.
Saudade do sorvete de pistache que tomava nos fins de semana na sorveteria da esquina, aliás, maiores ainda eram os confeitos e as caldas coloridas que eu depositava. Melhor sensação do que degustar uma a uma, comendo pouco para acabar tarde, não havia. Ou melhor, havia quando olhava para o velhinho que servia os doces e ele, numa expressão de ternura, oferecia-me mais uma colher.
Saudade dos castelos de terra vermelha que construía com pás de plástico, ou do brinquedo alto de ferro da praça que fingia/imaginava ser meu verdadeiro lar, onde viveria feliz e saltitante, criaria filhos, arrumaria e apaixonaria-me por um príncipe encantado e junto dele teria muitos sonhos e vestidos brancos –como os das noivas.
Esquecia-me que contos de fadas não existem na vida real.
Não que ela seja árdua demais ou tão difícil quanto se diz ser, mas, se pudesse preferir algo, seria voltar a ser pequena –de comprimento e de coração.
Ah, se eu pudesse dizer a cada pequenino que vejo caminhar na rua arrastando seu brinquedo que aproveitasse e sugasse o máximo o que conseguisse dessa fase...
Fugaz, passageiro, momentâneo.
E é justamente por isso que vive-se tão intensamente, está aí a grande jogada, não vê-se as horas passarem, não espera-se nada maior do que um simples abraço de boa noite, não anseia-se por matérias grandes, desde que ela seja uma diversão e traga risos de satisfação e felicidade.
De repente, você acorda e não se vê mais, seus pés já não se sustentam na mesma cama de sempre, é preciso mais, pedidos maiores, ânsia por coisas mais altas que te surpreendam e não deixem sua vida tornar-se simplesmente a palavra mais odiada contemporaneamente: rotina.
É justamente por isso que existe a falta, esse sentimento melancólico e de ausência que faz-me sentir sozinha.
O que me conforta é saber que sou somente mais uma dentre os milhões espalhados pelos quatro cantos do universo. De quê adianta lamentar-se se hoje é o verdadeiro dia?
Nada de lágrimas derramadas ou de sofrimento vão.
A mim cabe apreciar os bons momentos do agora, mesmo que estes sejam muito sofridos e difíceis de se conquistar. Há graça nisso também. Nada de facilidades ou de comodismos. Deve-se lutar, com todas as forças que outrora possuía, e ir tocando em frente. Não se pode perder a única viagem que possui-se, há somente um trem e este marcha depressa. O maquinista não perde o trilho, há vagões que subordinam-se a ele e precisam de sua guia. É lindo viver.
A alegria brota-me a face quando imagino poder lembrar-me de tudo o que já se foi e ainda sentir, poder enxergar e andar por aí estampando e deixando... saudades.