"Penetras surdamente no reino das palavras."
Carlos Drummond de Andrade.

terça-feira, 16 de novembro de 2010

E é assim, um anjo para mim.

Bom dia, filha!
Deixei sua marmita pronta na geladeira, na porta tem suco de maracujá.
Comprei seu sucrilhos ontem, vê se toma café antes de sair, viu?
Não se esqueça das chaves da porta da sala, porque quando você chegar, não estarei em casa. Fique com o celular por perto que depois do almoço te ligo.
Seu guarda-chuva tá na bolsa? Parece que vai chover...
Leve blusa que mais tarde sempre esfria e você pode pegar um resfriado.
Boa sorte na prova de Geometria, se a dor de cabeça apertar, tome 40 gotas daquele remédio de caixa azul que te mostrei ontem. Nada de comprimidos porque você é alérgica.
Bom trabalho e, não se esqueça, eu te amo.
Beijos,
Mamãe.

terça-feira, 2 de novembro de 2010

Rabisco.

Assim
Sim
Floresçam
Desapareçam
Me enlouqueçam

Partam
Matam
Desvarios
A ver navios
Permaneçam
Ali
Aqui
Noutro lugar
Sem respirar
Sem êxito
Fracasso
Pedaço
Meu laço

Cego
Desapego
O amor
Cor
Solidão
Não
Embora
Sem hora
Sem nada
A dizer
Respiro
Firo
Parto
Pedaço
Permanece
Sim
Assim
Em mim

Permanência.

    Acontece que sou insegura, não confio em palavras vãs nem em meu próprio pulso, este que deveria ser firme. A perseverança passa despercebida ante meus olhos. Acontece que sou fraca, não creio poder levantar algo tenebroso de grande com a força de minhas próprias mãos calejadas do trabalho ao qual sou exposto todos os dias. Noite e dia.
    Acontece que sou frágil e me machuco com um reles espinho minúsculo de uma pobre flor recolhida de um imenso jardim. E choro e rio de desespero. E canto de angústia e grito de momentânea felicidade.
    Momentâneo é viver. Frágil é o vidro dilacerado em cacos pequeninos ao chão.
    Passageiro é o orvalho que brota quando a lua nasce por detrás da aurora, no meio-céu. Insegura é a mãe que segura em seus braços a criança acabada de nascer. Fraca é a água cristalina correndo silenciosamente no fundo de um riacho frio, as negras pedras compondo o caminho e um tilintar suave, adocicado.
    Acontece que linda és, vida. Triste sou.
"O dicionário, imagem ordenada do mundo, constrói-se e desenvolve-se sobre palavras que viveram uma vida plena, que depois envelheceram e definharam, primeiro gerada, depois geradoras, como o foram os homens e as mulheres que as fizeram e de que iriam ser, por sua vez e ao mesmo tempo, senhores e servos."

José Saramago.

terça-feira, 3 de agosto de 2010

Sem medo de voltar


"Não quero ter a terrível limitação de quem vive apenas do que é passível de fazer sentido. Eu não: quero uma verdade inventada."
Clarice Lispector
   
     O dia amanheceu nublado, frio, insuportável para meus frágeis dedos aguentarem esticar o cobertor quente e grosso em minha cama, mas já era muito tarde pra enrolar e dormir por mais algumas horas. Resolvi logo despertar.
    Chacoalhei a cabeça como se quisesse espantar o sono para longe e atentei-me em procurar os chinelos perdidos em algum lugar de meu quarto. Seria difícil pôr os pés no chão sem algo pra quebrar o frio que o piso branco e salmão exalava.
    Os primeiros sinais de chuva apareciam no céu negro. Logo mais as gotas começariam a fazer um barulho calmo e vagaroso, anunciando que estavam ali, enchendo a terra seca e hidratando os lençóis subterrâneos.  Senti que aquele seria um dia monótono, sem a menor graça e pus-me a planejar algo que pudesse preparar para o desjejum.
    Havia na geladeira um pote de manteiga caseira e, no fogão, uma caneca de leite fresco. Demorou até encontrar algumas torradas no forno e, ao olhar aquele banquete, deparei-me com a imensa fome que sentia. Não era nada demais, mas parecia-me um manjar dos deuses. Só assim é que me dei conta de que haviam algumas horas -18, na verdade- que deixara de me alimentar.
    Olhei fixamente para as folhagens penduradas na janela da casa e, lá de cima, uma gota d’água começava a descer, pequena e frágil, até tomar mais força e, como num escorregador, cair ao chão. Lá ela já não existia mais, tornara-se uma coisa só: desaparecia na força da enxurrada que brotava da calha do telhado.
    E assim era minha vida: um dia era notada, no outro passava despercebida, às vezes aglutinava-me com a multidão para que ninguém pudesse me ver, outrora gostava de caminhar sozinha como se precisasse de alguém que estivesse disposto a me ouvir, escutar minhas histórias infantis de menina boba, meus sonhos irrealizáveis ou minhas conversas entediantes e irrevogavelmente tolas. Era assim que gostava de estar. Era assim que me sentia, eu que era.
    Fiquei por um tempo absorta, os olhos cerrados, a expressão vazia. Mergulhava num sonho intenso e este soava iminente ante meus olhos. Havia tranquilidade e calmaria, as cores cintilavam um azul claro, quase esverdeado. Lembrei-me de minha colcha de retalhos, aquela que usava quando ainda era um frágil bebê em um berço apertado e improvisado, de madeira escura. Ah, as lembranças... Estas saltitavam em minha cabeça como um forte toque de alguma música de batidas compassadas. Aos poucos iam se distanciando, como uma forte dor de cabeça que vai, aos poucos, cessando. Rápidos segundos corriam e lá estavam de volta, retornando vagarosamente. Iam e voltavam. Voltavam e iam.
    Era de uma imensa estranheza o quanto aquelas cenas funcionaram para mim como um antídoto, um sedativo. Eu me sentia bem, chegando quase à felicidade de esboçar um sorriso amarelado.
    Mas não poderia mesmo durar por muito tempo. Nem mesmo uma infância que, embora fraca e pobre, fora feliz poderia trazer-me melhores dias. Eu tinha de decidir tudo. Eu tinha de decidir nada. Ambos caminhavam juntos: o tudo e o nada, assim como fogo e água, assim como amor e ódio.
    Eu poderia permanecer por incontáveis horas na cama, mas não suportava aquela escuridão. Eu preferia o céu, queria voar sem direção, preferia sonhar a cercar-me de coisas concretas. Eu gostava do que era ideal, não do real.
    Despertei assustada, os ponteiros do relógio marcavam três da tarde. A caneca de chocolate quente continuava na mesa, já fria. As torradas escorriam a manteiga na toalha. O sol estava se preparando para a tarde quente. Eu não tinha fome, o tempo em que estivera pensando se encarregou de preencher o vazio de meu estômago. Uma leve brisa batia em meu cabelo, levando-o lentamente para trás. Ajeitei-o para cima e prendi-o em um rabo. Havia uma presilha de borboleta, era desajeitada, parecia até desenho de criança inocente. Colorida e viva.
    Prendi-a no lado direito, abri o guarda-roupa a procurar um pulôver de lã velha. O sol estava brilhantemente radiante acima, embora não aquecesse. Era inverno. Abri a gaveta, enrolei o cachecol listrado de vermelho e cinza, fino e comprido que ganhara na primavera passada.
    A chave estava pendurada na porta a balançar, o móbile acima produzia um tilintar suave, parecido com um piano branco embalando música de ninar. Peguei-a e fui até o portão enferrujado. Tranquei-o e saí. Os passos desconcertados, desajeitados, desanimados. Olhei a imagem à minha frente... A grama estava de um verde claro, as pedrinhas brancas refletiam os raios para as nuvens, mais parecidas com algodão.
    Fui andando a passos lentos, assoviava uma cantiga, sem medo de voltar, sem pressa de chegar...

segunda-feira, 26 de julho de 2010

É preciso.

"A vida das gentes neste mundo, senhor sabugo, é isso.
Um rosário de piscadas. Cada pisco é um dia.
Pisca e mama; pisca e anda; pisca e brinca;
pisca e estuda; pisca e ama; pisca e
cria filhos; pisca e geme os reumatismos;
por fim pisca pela última vez e morre.
- E depois que morre? – perguntou o Visconde.
- Depois que morre vira hipótese. É ou não é?"
Monteiro Lobato.

   Às vezes é preciso que se passe uma borracha branca e macia no que acontece nessa vida amarga, feito café sem açúcar.
  É preciso mais doce, mais doçura. Que as pessoas saibam amar o que outrora odiavam e que dêem valor nas mais singelas coisas que se passam no decorrer das horas fugazes.
 Mas ninguém ainda não aprendeu nada.
 Desespero-me ao ver nas ruas velhinhos, as costas curvadas, trabalhando arduamente, sem perspectiva alguma, sem esboçar um breve sorriso.
    Talvez eles sejam felizes. Talvez. É tudo tão incerto, tudo tão vago, passageiro. Estranho é ficar imaginando o porquê de as coisas serem como são. O fato é que tudo acontece tão perfeitamente... É tudo tão ligado feito teias de aranha: cada vértice com sua aresta. As imagens simétricas, refletidas como espelho n’água, como gota despejada e caída silenciosamente no chão; vai entrando, penetrando vagarosamente em terra seca. Aos poucos vai sumindo, devagar. Logo desaparece, vira pó novamente.
    Pó que entra nas narinas ressecadas, logo surge um espirro. Alto, rápido. E assim é o tempo...
    O tempo é longo, o tempo é curto. O tempo corre. O tempo lerdeia. O tempo cai. O tempo para.
    Segundos intermináveis, minutos corridos quando, enfim, o tempo morre.
    Morre e vira o quê?
    Vira pó. Pó que não perde sua secura, pó que nada fala, nada vê, nada ouve. Pode ser fino, grosso, áspero ou macio. Depende de como você o peneirou, depende de como você o cuidou. Depende de como você o enxergou. Ele pode ser bom ou ruim, tudo é a forma como você o enxerga. Ele pode até ser Deus. Pode ser aglutinado, formando uma pedra dura e fria. Mas ele pode ser brilhante também. Pode trazer a alegria de crianças que, olhando para o céu, pedem sonhos a essa poeira. Poeira de estrelas.

E assim, fico eu a pensar.

"Duas coisas indicam fraquezas:
calar-se quando é preciso falar,
e falar quando é preciso calar-se."


Fraca sou, o Provérbio Persa tem mesmo razão...

terça-feira, 6 de julho de 2010

O que há de guardado -dentro de nós.

“Estranho seria se eu não
me apaixonasse por você.”
[Nando Reis.]

    Subitamente sinto a perna tremer, o coração disparar como se almejasse expulsar todo o sangue que percorre veias e artérias até desaguar em meus músculos. Percebo que a cabeça pesa pedindo por descanso e que o ar torna-se impossível de respirar. Faz calor além da janela, contudo meu interior é frio. A boca seca, as mãos não param de se mexer freneticamente –queria eu escondê-las- e, pela primeira vez, não posso imaginar o que inebria meus impulsos nervosos.
    Agora está tudo congelado, imóvel, inóspito. Ouço vozes dizendo meu nome e tento me concentrar no que conversam a minha volta. Falam comigo e é até engraçado como converso sem saber completamente nada do que falo. Eu necessitava de algum sinal –vindo do além, quem sabe- que me fizesse perceber que há algo que me corrói e me conforta completamente em você. Seu falar bagunçado, seu silêncio angustiante, seus passos lentos ou sua cara de ‘acabo de acordar’ que por [in] felicidade minha não encaro nem por um decreto.
    Não é porque sua voz rouca me faz perder os sentidos. Não é porque seus óculos escuros encaixam-se perfeitamente desajeitados nas curvas de seu rosto. Não é porque você esboça um enorme sorriso a cada vez que me vê, mesmo sabendo ser por reles simpatia e nem por seu perfume impregnado na orla da minha blusa de manga longa toda vez que me abraça por segundos intermináveis.
    O problema é que enxergo de forma invertida o óbvio. E o mundo é racional enquanto eu, perdida no universo paralelo, tento resgatar um resquício de irracionalidade e trazer para nosso mundo. O problema é que ele não para de girar...
    Sabe, às vezes perco-me em fugazes pensamentos e penso ser melhor afastar-me de você e de toda a bagagem irritante que você carrega. Todas suas manias, manhas e exageros desmedidos que traçam seu temperamento forte e inquebrável: em vão ousava ficar ao teu lado tentando explicar-te o modo “correto” das coisas. O meu modo correto, embora ainda ache que a opinião é minha e da metade das criaturas existentes no planeta. 
    Você é a contradição humanizada. E, numa dessas, foi quando te encontrei calado feito mudo, penetrado no que via à frente: um banco de madeira vermelha, envelhecido e torto. Um casal de velhinhos a conversar sossegadamente lá estava. Falas mansas, olhares distantes. Deveriam refletir sobre a vida, já que esta se aproximava do fim. E eu, ingênua que era, imaginei no instante em que o vi observando, que pudesse estar absorto em pensamentos passar por aquela –que, por sinal, era linda- cena que víamos. 
    Assustei-me quando vi você chacoalhar a cabeça num sinal de reprovação. Certamente não gostara e, obviamente, achara ridícula a imagem de um destino cravado na união de duas criaturas completamente apaixonadas, ainda que a idade os fizesse adoecer.
    Eles morreriam juntos, era de se admirar!
    Eu já sabia, desde a primeira vez em que pousei o olhar sobre tua cara amarrada jurando que não ousaria erguê-lo novamente a te fitar, que estava descaradamente mentindo.
    Mentindo assim como quando finjo que estou bem sem você por perto. Mentindo como quando digo que odeio suas manias e seu modo egoísta de olhar tudo a volta. Assim como suas roupas estranhamente lindas e mal passadas, seu cabelo espalhado e embaraçado, sua sobrancelha fina e despenteada, suas mãos ásperas e grandes, seu vocabulário rude e insensato. Minto quando penso ter passado uma borracha branca e lisa no que pouco há de escrito sobre você nas páginas rabiscadas de meu diário...
    Queria tanto descobrir o que está traçado em meu destino, me ver já crescida e formada, com responsabilidade, tomando decisões importantes –não como agora onde decido o que vestirei pra ir ao colégio ou o que assinalar nas questões alternativas das provas- e pensando na vida de antigamente. Acho que sentirei saudades, mas hoje isso não importa. Eu queria mesmo é ter tempo de sobra pra não pensar em você. Não querer imaginar o que está pensando ou comendo. Com quem está falando ou como fala. O que está lendo nas páginas dos jornais nas manhãs de domingo e se está impressionado com tanta desgraça. Eu queria, sinceramente, saber.
    Engraçado ou decepcionante é imaginar que não posso/consigo fazer nada que, ao menos, me faça aproximar da rua onde você mora. Quando viro a esquina, a covardia se apodera de minhas forças e logo estou eu, caminhando no sentido contrário, me desviando do caminho onde você poderia estar.
    Pode ser que Platão tenha mesmo razão. É ainda algo muito infantil pra se ter certeza e confiar no que faz minhas mãos suarem frio.
    Amor platônico, diria assim.
    O problema é que eu confio no que há de inabitável em mim. Sei que isso não mudará tão cedo –e acho, sinceramente, que não quero mesmo mudar. Está perfeitamente desenhado e brilha como quando a água é iluminada pelos raios de sol ou quando o céu fica cor-de-laranja num lento fim de tarde.
    Acho que quero mesmo é ficar assim, contraditória feito eu, incerta e cheia de dúvidas inacabáveis. Um tanto quanto birrenta e chorona, desastrada, complicada, de lua e destrambelhada.
    Certo é somente o que sinto palpitar e tomar conta de meus pensamentos quando o rádio cinzento e velho de meu quarto arranha algumas notas. Coram-se as maçãs do rosto, abre-se um meio sorriso e a lembrança vaga do que restou e do que ainda há de se escrever dança uma música, caindo vagarosamente feito uma luva:

“E nossa história
Não estará
Pelo avesso assim
Sem final feliz
Teremos coisas bonitas pra contar
E até lá
Vamos viver
Temos muito ainda por fazer
Não olhe pra trás
Apenas começamos
O mundo começa agora
Apenas começamos.”

    O que falta é coragem pra começar a construir e desenhar o mundo, nosso mundo.

terça-feira, 29 de junho de 2010

Um pouco mais.

“Mas quem sofre sempre tem que procurar
pelo menos vir achar razão para viver e,
na vida, algum motivo pra sonhar.
Ter um sonho todo azul, azul da cor do mar.”
[Tim Maia.]

Há dias em que me levanto com peso, preguiça do dia que amanheceu. Ao pensar que estar viva é um milagre, os olhos despertam, o corpo ganha força, a alma fica leve, despreocupada, o sol com seus longos raios, imponente feito um rei. Percebo que viver não é tão ruim assim e que muitos se distraem do tempo, perdidos em pensamentos, distantes da lucidez. Enxergar racionalmente é ruim demais, prefiro apegar-me às coisas do coração e ver nelas um modo de escapar da tristeza. A cada batida, um pulso; a cada pulso, um recomeço; a cada recomeço, uma nova história; a cada história, um novo sonho; a cada sonho, a certeza. Certeza de que pode, sim, haver um final feliz.

domingo, 20 de junho de 2010

À vocês, com amor.

    Hoje acordei sem vontade de nada fazer, nada falar, nada respirar. Talvez seja pela noite anterior, cheia de raios luminosos ao céu, a lua apagada soprando um ar triste e pesado. A chuva caía silenciosamente e eu podia ouvir o tilintar que as gotas faziam na calha velha do telhado.
    Acordei quando a madrugada esticava seus longos e negros braços. Forcei para que meus olhos não abrissem. Esforço vão. Logo estava eu, a expressão assustada e com os mesmos olhos arregalados, criando a expectativa de que saltariam para fora a qualquer segundo.
    Não, eu deveria concentrar-me em algo útil, o que naquele momento era dormir. Mas sabia da dificuldade que sempre encontrara em adormecer, depois de despertar. Ah, seria tão mais fácil se me rendesse ao cansaço físico-mental de meu corpo...
    Os músculos doíam, tanta foi a força que fizera contraindo-os pelo frio cortante fora do colchão.
    Eu tinha todos os motivos do mundo para querer desistir de todos os pesos que me aporrinhavam pelas costas o dia/tempo todo. Pensava que levar a situação até aquele ponto seria um erro por demais banal. Aquele não era o melhor momento para refletir, talvez encontrar alguma solução para meus problemas ditos irreversíveis. Contudo, o que fazer se aqueles monstros chegavam, queriam e estavam prontos para devorar meus sonhos?
    No mesmo instante, joguei minhas mãos geladas e trêmulas para fora do cobertor. Juntei-as. Surpreendi-me a balbuciar uma oração. E lá estavam: vocês.
    Apareciam a minha frente, sorrindo. A imagem era tão perfeita e colorida que eu jurava poder tocá-los ao menor impulso de esticar os dedos. Surgiram de repente, como se me chacoalhassem a dizer que estavam e permaneceriam ali, todo o tempo.
    Foi justamente com essa imagem nítida e calma que notei a diferença que fizeram e sempre faziam em minhas distrações e medos, em meus dragões imaginários ou em minhas manias insuportáveis.
    Lembrei-me de quando rolávamos ao chão a brincar daquilo que não tinha nome, das conversas longas e vagarosas onde não tínhamos pressa em terminar tão cedo. Das guerras de travesseiros e dos segredos mal resolvidos que sempre acabávamos por descobrir. Das soluções corajosas e, por vezes, amedrontadas que tínhamos quando tudo não passava de desilusões. Das risadas escandalosas e sarcásticas quando ofendíamo-nos sem intenção alguma de ferir. Dos abraços de desculpas e perdões a qualquer hora, em qualquer lugar, de qualquer modo.
    Lembrei-me até dos ciúmes incontroláveis que tínhamos quando um de nós aproximava-se de outra pessoa. O medo de perder-nos era tanto que o rosto fechava-se numa expressão de reprovação. Logo, alguém percebia e esboçava um largo sorriso dizendo: “Eu estou aqui, não tenha medo.”
    Lembrei-me dos esguichos d’água que soprávamos quando alguém dizia algo que, de tão engraçado, melhor seria cuspir tudo aquilo que havia na boca do que perder aquele momento de risadas desprevenidas. Dos conselhos, das fraquezas, das angústias e do reconhecimento. Reconhecer que se está errado é a melhor virtude de um ser humano, depois da humildade. E vocês ensinaram-me isso. Tudo isso.
    As lágrimas que derramamos, a saudade, a falta que sentimos quando estamos longe é prova de que há mais do que laços de sangue, há mais do que amor que verte sangue em sua cor. Há mais.
    Involuntariamente, despertei-me do pensamento longe e, quando pude perceber o que fazia, estava a olhar fotos. Nossas fotos. Colocava-as em meu peito e as apertava, como se aquele gesto fosse levar-me pra mais perto de vocês.
    Notei que não havia mais sonhos ruins. O vento lá fora soprava calmo e tranquilo. A tempestade passara.  Com o pijama velho e listrado que vestia, sentei ao pé da cama e pus-me a cantarolar alguns versos. Eram velhos versos. Como se não bastasse, abri um empoeirado livro onde guardava o que, na vida, achava o bastante. Lá dizia Vinícius de Moraes:

“Não precisa ser homem, basta ser humano, basta ter sentimentos, basta ter coração. Precisa saber falar e calar, sobretudo saber ouvir. Tem que gostar de poesia, de madrugada, de pássaro, de sol, da lua, do canto, dos ventos e das canções da brisa. Deve ter amor, um grande amor por alguém, ou então sentir falta de não ter esse amor. Deve amar o próximo e respeitar a dor que os passantes levam consigo. Deve guardar segredo sem se sacrificar.
Não é preciso que seja de primeira mão, nem é imprescindível que seja de segunda mão. Pode já ter sido enganado, pois todos os amigos são enganados. Não é preciso que seja puro, nem que seja todo impuro, mas não deve ser vulgar. Deve ter um ideal e medo de perdê-lo e, no caso de assim não ser, deve sentir o grande vácuo que isso deixa. Tem que ter ressonâncias humanas, seu principal objetivo deve ser o de amigo. Deve sentir pena das pessoas tristes e compreender o imenso vazio dos solitários. Deve gostar de crianças e lastimar as que não puderam nascer.
Procura-se um amigo para gostar dos mesmos gostos, que se comova, quando chamado de amigo. Que saiba conversar de coisas simples, de orvalhos, de grandes chuvas e das recordações de infância. Precisa-se de um amigo para não se enlouquecer, para contar o que se viu de belo e triste durante o dia, dos anseios e das realizações, dos sonhos e da realidade. Deve gostar de ruas desertas, de poças de água e de caminhos molhados, de beira de estrada, de mato depois da chuva, de se deitar no capim.
Precisa-se de um amigo que diga que vale a pena viver, não porque a vida é bela, mas porque já se tem um amigo. Precisa-se de um amigo para se parar de chorar. Para não se viver debruçado no passado em busca de memórias perdidas. Que nos bata nos ombros sorrindo ou chorando, mas que nos chame de amigo, para ter-se a consciência de que ainda se vive.”

    Foi em vocês que eu depositei tudo o que lera embaraçada entre lágrimas frenéticas e desesperadas. Mas, pela primeira vez, eram de alívio. Uma sensação como quando sinto o cheiro de terra molhada. De quando, tremendo de frio, aqueço-me com a água quente brotando e alimentando minha pele com calor.
    Se pudesse me estenderia até a eternidade, porém, como dizia meu mestre Rubem Alves, é preciso escrever curto porque a arte é longa e a vida é breve.
    Eu os amo, o que sou os devo e sou feliz por ter vocês, amigos.

terça-feira, 18 de maio de 2010

Memórias do que [não] ficou pra trás.


   Ainda hoje, tempos depois, me questiono qual o motivo por termos separado o calor de nossas mãos entrelaçadas. Era bom saber que haveria algo que cairia feito luva, aquecendo o frio que, outrora, ocupara seu lugar.   Você não voltou e eu, absorta em pensamentos e caprichos da imaginação, vivo a questionar-me se fiz, realmente, a escolha certa.
    Abro a caixa de entrada de meu e-mail abandonado há tempos e lá está o que fui desencorajada em apagar. Seus parágrafos mal pontuados e seu vocabulário ralo. Eu podia imaginar, a cada linha de visão embaçada que percorria, o modo com o qual você falaria tudo aquilo, olhando internamente certos olhos que, talvez por acaso, seriam os meus.
    E você sabe –muito bem, por sinal- que se o que fizemos indiretamente tivesse acontecido de fato, o destino encarregar-se-ia de manter-nos unidos, assim como fazia em nossos encontros mal marcados.
    Surpresa era sua expressão ao ver-me. Por certo uma mescla de sensações das quais eu não conseguia definir embora quisesse, ingênua que era, com todas as forças que conseguia sugar do que restava –se é que houvesse- de sangue de meu rosto.
    O seu sorriso torto era meu grande –e talvez maior- medo. Eu sabia que ele quebraria qualquer cara amarrada e, por Deus, com a minha não seria diferente.
    Logo estava eu, que tanto queria enraizar meus pés ao chão, descontraindo os músculos de meus lábios a esboçar um largo sorriso. Sim, aquele do qual você tanto falava.
    Era involuntário não fitar a imagem que formava-se ante minha expressão embaraçada e não estar extremamente grata àquilo. Eu sempre percebia e notava, embora descontrolada de meus reflexos que você, de fato, rematava aquele imenso espaço inabitado de minhas manhãs/tardes/noites assustadoramente solitárias.
    Espantava-me com as pessoas que caminhavam sozinhas a conversar conscientemente juntas e cheias de si. Eu, em contrapartida, ansiava desesperadamente ter alguém. E, de fato, tinha. Verbo passado, completo, [in]definido.
    Mas, sabe, creio que não houve um ponto final. Acho que convenço-me disso a cada vez que lembro-me de suas últimas palavras, aquelas que eu lia e, [in]consciente de minha atividade psíquica, traduzia em sua voz, nada parecida com veludo ou algodão. Era áspera e sem timbre, por vezes afinava-se e eu recordo-me, com todos os detalhes possíveis, de quão irritado ficava quando eu repetia, em tom sarcástico, o que acabara de dizer.
    Seu jeito inocente de menino irresponsável e sem importância fizeram de mim alguém melhor.
    Encontrei a felicidade e deixei-a escapar.
    Pra te enganar, escondo nas linhas que escrevo o horror que sinto de quando recorda-me a memória daquela noite. A música parou, no salão havíamos nós. Eu e você. Nada mais. Ninguém mais.
    Seu interior exalava um frio áspero, a feição vazia, os punhos fechados. Meu único desejo era ver-te distanciando-se de meus olhos cerrados. E quanto mais fugia, mais aproximava-se de mim. Eu nunca o odiei tanto. Nunca o joguei para tão longe, como uma força repugnante que apossava-se de meus pulsos nervosos.
    Mas o problema é que eu te queria quero, o problema é que não poderia me afastar do óbvio, negar o óbvio: você estava está bem ali, a minha frente.
    O problema é que eu te odeio, te amando.

segunda-feira, 26 de abril de 2010

Simples fato diário.

Poema tirado de uma notícia de jornal


João Gostoso era carregador de feira-livre e morava no morro da Babilônia num barracão sem número.
Uma noite ele chegou no bar Vinte de Novembro
Bebeu
Cantou
Dançou
Depois se atirou na Lagoa Rodrigo de Freitas e morreu afogado.
(Manuel Bandeira)

    João Gostoso era homem simples, destes que não se importam em calçar um simples chinelo ou sapato lustroso. Para ele qualquer coisa estava de bom tamanho, até andava descalço, se fosse o caso. Trabalhava como carregador de feira-livre as segundas, quartas e sextas-feiras.
    Acordava cedinho, quando o galo ainda não tinha avisado a cidade de que o dia estava raiando e começava, então, o preparo para o longo dia de trabalho que haveria de ter. Não era nada fácil carregar aqueles caixotes pesados e grandes de diversas variedades leguminosas e de frutos.
    Dentre tudo o que vendia – e não era pouca coisa- o que mais lhe chamava a atenção era a cebola. Encantava-se com suas camadas e com a capacidade da mesma de provocar o lacrimejar nas donas de casa e famosos cozinheiros que a utilizavam. Era engraçado pensar que aquele simples algo arredondado estava presente na mesa diária de centenas de pessoas, e isso o fascinava.
    Achava-a como uma forma de unificar todos tipos de gente, afinal, desde os mais poderosos ricos até os mais humildes usavam de seu sabor para temperar, fosse o camarão ao molho branco ou o bife de carne de segunda.
    Identificava-se com ela e, não por acaso, era o que fazia sua alegria ao notar que os que paravam em sua banca admiravam-se com a forma que falava da mesma. Era quase poesia aos ouvidos de quem escutava e só não chegava a esse ponto porque João dava ar cômico cantarolando uma ode em seu louvor em pleno corredor de feira. Certa vez leu em um jornal diário a seguinte descrição sobre a cebola feita por Neruda: “Rosa de água com escamas de cristal”. Após tal ocorrido, nunca mais se esqueceu de tão magnífica comparação e utilizava-se dela como forma de convencimento e expressão de seu afeto pela raiz.
    Os que passavam por ele eram contagiados por tamanha animação e retornavam ao menos para comprar uma bandeja. Os compradores sentiam-se obrigados a levar a tão glorificada cabeça de cebola e fazer o dia daquele singelo feirante mais feliz. E ele, de fato, era feliz.
    Contudo, num desses dias fugazes em que montava sua banca, João espantou-se com a notícia de que seu mais amado produto – agora não só por ele, mas também por todos seus clientes- estava entrando em fase baixa e passaria por grande escassez. A notícia estava exatamente no mesmo jornal que lera tempos atrás. Foi nesse momento que João preocupou-se e concluiu que sua felicidade estava com os dias contados. E assim se fez. O tempo passou e, aos poucos, o espaço ocupado pelas cebolas em seu balcão foi tomado por cenouras, beterrabas, berinjelas...
    Como já era previsível, a cebola só era encaminhada para os grandes mercados da cidade, aqueles em que só a alta classe frequentava e, consequentemente, consumia. O que ele nunca imaginava que possível fosse aconteceu. Agora, só os ricos temperavam e podiam saborear suas refeições com aquela que antes pertencia e era acessível a todos. João entristeceu-se e a feira junto dele, nunca mais foi o mesmo. Vendia o que pedissem. Falava o que perguntassem. Emagreceu. Já não cantava mais, já não achava sentido algum no que fazia.
    Foi num desses entardeceres que foi caminhando sem rumo e desviou-se do caminho de casa. Andava vagarosamente, sem pressa de chegar a lugar algum. Parou no bar Vinte de Novembro em frente à praia e achou ali um bom lugar para, talvez, esquecer-se dos problemas que a vida lhe oferecia. Estava amargurado.
    Num canto tocava um violeiro uma cantiga serena e muitos juntavam-se a ele para escutar, talvez desabafar ou como dizem por aí, chorar as mágoas. João, não indeciso, juntou-se a eles, o corpo cansado, na mão um copo cheio de qualquer bebida.
    A noite passou rápida demais. Inconsciente que estava, atravessou a rua movimentada, o sinaleiro aberto, por um filete não foi atropelado. Ouviu ao longe a buzina da moto que passava, absorto que estava em pensamentos.
    Chegou, enfim, à Lagoa Rodrigo de Freitas e ali traçar-se-ia, definitivamente, seu destino. Sem hesitar, tirou seus sujos chinelos amarelos, respirou fundo e atirou-se a água. Não houve o menor sinal de força feita para, ao menos, tentar nadar e salvar-se daquele tremendo horror que cometera. Apenas caiu. João morreu afogado e uma notícia na coluna esquerda apareceu narrando o ocorrido no dia seguinte. Por acaso, o jornal que retratara era o mesmo que ele lera tempos atrás.

quarta-feira, 21 de abril de 2010

Acredite, ele existe.

    Dia chuvoso é sinônimo de melancolia.
    Ao olhar as nuvens cinzentas que cobrem o céu não me dá senão outra impressão.
    O tempo escorre lentamente, a água corre agitada no meio-fio. O sol, preguiçoso que levantou, não põe à mostra seus longos raios, esconde-se atrás do algodão infinito e nem sequer seus longos braços dourados estica.
    O homem que espera ansioso o sinal vermelho brilhar para atravessar a avenida encolhe-se com o vento áspero que sopra os olhos cansados.
    A expressão distante das pessoas ao caminhar vagarosamente pelas ruas impressiona-me e logo penso se todos os despertadores resolveram acordar mais cedo.
    O olho gira, a imagem a frente embaça, logo desaparece. O som de fundo se esvai e a cabeça pesa como se implorasse por apoio. Os pensamentos se devaneiam. Nada mais resta à memória: cochila-se.
    O trânsito é lento, os movimentos corporais também. Tento me refugiar em algo, mentindo pra mim mesmo que todas minhas ações ocorrem, sem exceção, em câmera lenta.
    Mas era estranho ver o tempo correndo vagarosamente. Aquele cara que sempre corria na avenida de manhã, agora tinha movimentos de quem corre sem pressa. O jornaleiro que dirigia atropelado sua motocicleta agora analisa todas as faixas pintadas ao chão, obedecendo-as.
    No fundo, eu queria compreender o que se sucedia. Mas era em vão. Sem sucesso forçava os neurônios a fazerem suas ligações mais depressa, e eles nunca estiveram tão sem vontade de exercer seu único ofício.
    Começava a perceber gotículas de água que escorriam pelos fios delgados de meu cabelo. Desciam silenciosamente, passando pelas marcas de expressão de minha testa e, ante a meus olhos, podia vê-las caindo, como se estivessem a bordo de um para-quedas.
    Nada era fugaz.
    Por um momento, cheguei a pensar – e com a mais absoluta certeza, uns grandes minutos haviam decorrido – se era alguma fantasia de alguma imaginação perturbada.
    Haveria eu de estar nervoso por algum motivo vão? Por que aquilo acontecia e a minha impotência em simplesmente não poder fazer nada era cada vez maior?
    Eu já cansava. Náuseas enojavam-me. Doía.
    No meio de toda aquela alucinação, sentei a beira da calçada e foi difícil de conseguir deitar-me no chão gelado e áspero. Talvez daquele modo eu ficasse melhor – não tão ruim, na verdade – e, ao longe, ouvi o som macio de papel. Não por acaso, era aquele que estava em meu bolso desde o dia anterior.
    Incessante, forcei-me a abri-lo e tamanha foi minha surpresa.
    “Amanhã, logo após o amanhecer. Segundo quarteirão da Rua 3.”
    Tudo o que mais procurava, naquele momento, era ao menos lembrar-me qual o motivo daquela anotação naquele pedaço de papel amassado. Decidi que, então, seria melhor ir até o local que lá estava descrito a tentar descobrir.
    Busquei nas raízes mais profundas ânimo em levantar-me e caminhar por muito tempo novamente, sem andar sequer meia légua. Acho que a sorte conspirava em meu favor. Não estava muito distante de mim a segunda quadra.
    Concentrei-me em somente andar. Agora a rua estava apinhada de pessoas cheias de sacolas coloridas de compras. Pareciam felizes.
    Emendei um sorriso torto para um garoto que andava distraído com sua mãe. Era difícil relaxar meus músculos e notei que para ele a compreensão era demorada, mas seu sorriso de agradecimento não parecia esgotar forças.
    Surgiam-me flashes de vozes e assustei-me ao perceber que agora ouvia sons. Aos poucos, o sol iluminava a terça parte da esquina e eu não demorava tanto para dar um passo. Levantei minha mão para alcançar o suor de meu rosto e o reflexo de meu braço parecia ágil.
    Aquilo era tudo o que de mais havia de estranho, mas eu não queria pensar em respostas. Sim, tudo estava voltando, retornando ao seu lugar.
    O relógio da Catedral batia agora: nove horas. O tilintar do sino ainda parecia-me distante, mas eu podia ouvi-lo e enorme sorriso esbocei de satisfação.
    Distraído atentava-me a simples coisas que antes não faziam menor sentido e, sem perceber, dobrava a Rua 3.
    Fixei em olhar, e somente olhar a frente.
    E lá estava ela. Andava depressa, olhando para seu pulso.
    Ao olhar-me, seus olhos contraíram-se numa expressão de pena. Estava linda.
    Suas únicas palavras foram estas: “Lamento muito em fazer-te esperar tanto tempo.”
    Abriu então um pacote de presente amassado, e de dentro dele saiu um pingente em formato de coração.Era vermelho-sangue.
    “Gostaria que nosso encontro tivesse acontecido ao mesmo tempo, e que você não estivesse chateado em aguardar minha chegada. Este é o meu coração, que agora é seu. Feliz Aniversário.”
    Naquele instante de segundo eu passei a acreditar em destino.



terça-feira, 20 de abril de 2010

Traz inspiração.

Soneto de Fidelidade
(Vinicius de Moraes)

De tudo ao meu amor serei atento
Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto
Que mesmo em face do maior encanto
Dele se encante mais meu pensamento.
Quero vivê-lo em cada vão momento
E em seu louvor hei de espalhar meu canto
E rir meu riso e derramar meu pranto
Ao seu pesar ou seu contentamento

E assim, quando mais tarde me procure
Quem sabe a morte, angústia de quem vive
Quem sabe a solidão, fim de quem ama
Eu possa me dizer do amor (que tive):
Que não seja imortal, posto que é chama
Mas que seja infinito enquanto dure.

quinta-feira, 15 de abril de 2010

[In] felicidade: eis a questão

   
" A suprema felicidade da vida é a convicção de ser amado por aquilo que você é, ou mais corretamente, de ser amado apesar daquilo que você é."  [Victor Hugo]
    Vive-se a era da informatização, da moda e da tecnologia, onde os produtos oferecidos pelas mesmas atraem e induzem pessoas a sempre renovarem seus pertences, seus chamados bens materiais. Tais propriedades preenchem um prazer momentâneo mas que, infelizmente, deve ser renovado logo. É a felicidade rápida, fugaz. Logo estar-se-á a procurar novidades ou haverá a precisão em consumir mais, comprar mais.
    A cultura de massas demonstra isso de forma muito eficaz, com propagandas convincentes e ideias brilhantes em relação a convencer os consumidores. Faz-se do produto descartável uma necessidade e acaba-se por levar, cada vez mais, indivíduos a aceitarem tal forma de vida.
    O ter está aliado diretamente ao ser, concepção essa totalmente errada. O que se pensa é o que se é, logo, o que se tem não significa absolutamente nada nesse aspecto. O mundo do ser é o mundo das ideias, do modo de agir de cada um, de como encara-se a realidade, enfim, do que escolhe-se pra si. Já o ter é o que se consome, chamada propriedade privada. Deste modo, ela compõe, chega a fazer parte do ser, mas não o é.
    Certa matéria, encontrada na Revista Superinteressante, afirma o segredo da vida. Pensa-se ser algo muito difícil de alcançar ou atingir e surpreende-se ao ler que é, de fato, algo muito singelo: simplesmente ter amigos. Nas experiências feitas, pessoas são analisadas desde o seu nascimento até a vida adulta e constata-se que as que possuíram amigos foram as que viveram por mais tempo e que, consequentemente, foram mais felizes.
    Assim, percebe-se que não existe segredo para a felicidade, já que esta é algo quase impossível de ser atingido em sua totalidade, mas que existem gestos e atos que tornam a vida mais proveitosa, prazerosa e que são, não por acaso, o que existe de mais simples. É tarefa difícil despojar-se das ambições, algo comum entre seres humanos, para tentar seguir de modo humilde, e isso não significa subtrair tudo o que existe de consumível.
    Aprofundando no que significa a palavra consumo: destruição, destruir; enfraquecer, abater; desgostar, mortificar; apoquentar-se, já se pode criar uma noção do que o mesmo faz/trás a quem o coloca em prioridade.
    Afinal, qual é a razão principal em ser feliz?
    Há certa necessidade em ter também, mas não é preciso o acúmulo dessas riquezas, já que estas só são primordiais quando no sentido figurado: riquezas de bem-estar, de saúde, de emoções e sentidos e, justamente, de amigos.

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

Saudade.

    Eu não sei bem ao certo o porquê, mas de repente deram-me saudades...
    Daquela época em que eu, ingênua que era, brincava de pique-esconde com minhas primas no quintal de casa. Ou de quando nós fingíamos ser –e muito bem, por sinal- Power Rangers a salvar a galáxia que estava em perigo.
    Do suco de acerola com limão que mamãe punha a mesa junto do jantar: arroz, batata-frita e salada de pepino. Dava-me água na boca só em imaginar por quanto tempo –mais precisamente, uma tarde- estive esperando por, simplesmente, poder sentar-me à mesa e comer junto dela.
    Dos meus gritos e escândalos quando era chegada a hora de entrar no ônibus escolar. Poderia ser exagero, manha ou até uma espécie de loucura, mas eu sentia, com todas as minhas forças, medo.
    É, medo de que alguém ou algo pudesse me afastar de quem amava pelo tempo que estaria distante –quatro horas. Poderia não ser o maior do mundo, mas eu chorava e sentia calafrios quando pensava, as cinco da manhã, que, a partir dali, mais duas horas e eu estaria entrando num colégio frio, com pessoas estranhas e inteligentes. Era quase masoquismo, mas minha cara de apreensão e de ‘estou esperando o pior’ afligia quase toda a rua que, com a maior das certezas, acordava com minha revolta.
    Saudade dos meus álbuns de fotografias de duplas infantis ou dos discos de vinil que eu não deixava ninguém sequer passar os dedos. Jubilosa ficava quando a vitrola começava a reproduzir as primeiras notas. ‘Ursinho pimpão’ se repetia por dez mínimas vezes. Logo ouvia papai gritando da sala de jantar: “Mais uma vez, minha filha?”
    No fundo, eles entendiam que meus sonhos ainda eram de areia, tudo era muito compreensível, assim como imaginar que uma nuvem poderia, a qualquer minuto, transformar-se num dragão forte e valente, desses que assistia nos desenhos animados ao entardecer.
    Eu era uma simples e ingênua criança. Ainda não conhecia as malícias que a vida, mais à frente, ensinaria ou obrigaria a aprender. Momento efêmero, hoje fica guardado numa simples caixinha de papel, um laço de fita de cetim vermelho pendurado na borda, acima uma etiqueta amarela e, em seu centro a palavra ‘recordações’ escrita à tinta.
    Eu me lembro de tudo –ou quase tudo. Fica descrito num lugar absorto, obscuro, longe de ser palpável.
    Saudade do sorvete de pistache que tomava nos fins de semana na sorveteria da esquina, aliás, maiores ainda eram os confeitos e as caldas coloridas que eu depositava. Melhor sensação do que degustar uma a uma, comendo pouco para acabar tarde, não havia. Ou melhor, havia quando olhava para o velhinho que servia os doces e ele, numa expressão de ternura, oferecia-me mais uma colher.
    Saudade dos castelos de terra vermelha que construía com pás de plástico, ou do brinquedo alto de ferro da praça que fingia/imaginava ser meu verdadeiro lar, onde viveria feliz e saltitante, criaria filhos, arrumaria e apaixonaria-me por um príncipe encantado e junto dele teria muitos sonhos e vestidos brancos –como os das noivas.
    Esquecia-me que contos de fadas não existem na vida real.
    Não que ela seja árdua demais ou tão difícil quanto se diz ser, mas, se pudesse preferir algo, seria voltar a ser pequena –de comprimento e de coração.
    Ah, se eu pudesse dizer a cada pequenino que vejo caminhar na rua arrastando seu brinquedo que aproveitasse e sugasse o máximo o que conseguisse dessa fase...
    Fugaz, passageiro, momentâneo.
    E é justamente por isso que vive-se tão intensamente, está aí a grande jogada, não vê-se as horas passarem, não espera-se nada maior do que um simples abraço de boa noite, não anseia-se por matérias grandes, desde que ela seja uma diversão e traga risos de satisfação e felicidade.
    De repente, você acorda e não se vê mais, seus pés já não se sustentam na mesma cama de sempre, é preciso mais, pedidos maiores, ânsia por coisas mais altas que te surpreendam e não deixem sua vida tornar-se simplesmente a palavra mais odiada contemporaneamente: rotina.
    É justamente por isso que existe a falta, esse sentimento melancólico e de ausência que faz-me sentir sozinha.
    O que me conforta é saber que sou somente mais uma dentre os milhões espalhados pelos quatro cantos do universo. De quê adianta lamentar-se se hoje é o verdadeiro dia?
    Nada de lágrimas derramadas ou de sofrimento vão.
    A mim cabe apreciar os bons momentos do agora, mesmo que estes sejam muito sofridos e difíceis de se conquistar. Há graça nisso também. Nada de facilidades ou de comodismos. Deve-se lutar, com todas as forças que outrora possuía, e ir tocando em frente. Não se pode perder a única viagem que possui-se, há somente um trem e este marcha depressa. O maquinista não perde o trilho, há vagões que subordinam-se a ele e precisam de sua guia. É lindo viver.
    A alegria brota-me a face quando imagino poder lembrar-me de tudo o que já se foi e ainda sentir, poder enxergar e andar por aí estampando e deixando... saudades.

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

Beatriz.


"Me leva para sempre, Beatriz. Me ensina a não andar com os pés no chão." [Ana Carolina]
    De repente, da janela do meu quarto eu vejo tudo escurecer. Faz frio. Os raios quentes do sol que batiam na persiana se esfriam. Anoitece.
    Anoitece meu interior, coloco a palma da mão em meu peito para sentir se ele ainda bate: o coração. Sim, respiro lentamente, um ar ofegante, pausadamente cansado, mas é como se o mundo houvesse dado as costas. Meu mundo me traiu, deslocou-se de rodinhas de onde sempre estivera.
    Eu estava em paz, tudo estava em paz. As pálpebras pesam e eu procuro concentrar-me em não dormir, afinal, havia hibernado por quinze horas. Dormi verão e acordei in[f]verno.
    Melhor seria se me fechasse dentro da casca de egoísmo a qual me escondi pelos últimos dias. Era confortável pensar que estivera só por tanto tempo...
    Ao menos não teria de ir ao escritório à tarde. Estava tudo fechado; era Feriado Nacional e, mesmo que não fosse, as chaves de minha sala estavam dentro da mala amarela a qual fiz questão de trancar no porta-malas do carro. Bem longe de mim.
    Meu desejo seria estar, nesse momento, num lugar deserto. Queria sentir cheiro de terra, de água e de verde. É, eu estou sozinha, dentro de casa, um ventilador chato chacoalhando suas pás e soprando o ar rarefeito pelo quarto abafado.
    Mas o seu cheiro ainda está impregnado em tudo o que é meu - que era seu -. Meu travesseiro - aquele que já botei na máquina de lavar pela décima segunda vez -, ainda exala um perfume amadeirado. Seu perfume.
    Por falar nisso, seu aparelho de barbear ainda está no banheiro. Sua toalha de rosto ao lado dele, exatamente como você deixou. Sua caixa de Cotonetes ainda permanece intacta na primeira gaveta do criado-mudo, entreaberta. Seu chaveiro de uma Torre Eiffel envelhecida pendurado na porta, seu gel fixador de cabelo azul na penteadeira, suas lentes de contato mergulhadas no soro fisiológico, seu relógio de pulso descascado na estante e tantas outras coisas a que se apoderou. Tudo para enfeitar algo invisível a meus olhos: a aparência.
    Você se vestiu esse tempo todo, investiu em futilidades e babaquices. E eu, coitada, imaginando ter-me apaixonado pelo galã da novela das oito, deparo-me com o mais descarado vilão de filmes bangue-bangue.
    Logo eu, que sempre prometi a mim mesma nunca ceder a esse seu tipinho, me faço de vítima?
    Pior de tudo é que é justamente esse seu sorriso torto e esses seus dentes amarelados que me fazem feliz. É essa sua cara marrenta de “me deixe ficar aqui por mais dez minutos” que me fazia ficar observando-o dormir na cama desarrumada pelo tempo que fosse. É esse seu jeito de “ninguém me ama, ninguém me quer” que sempre contava para, depois de ter me despedido, voltar correndo só pra abraçar-lhe e dizer, mais uma vez, que era contigo que queria ficar pelo resto de minha vida.
    É piegas repetir tudo isso pro espelho, de novo e depois de tantas vezes, mas eu me olho e não enxergo-te atrás. Hoje sou só. A imagem refletida é minha. Talvez esteja refletindo você, longe dos meus cômodos. Longe da sala onde esticávamos nossos pés, deitados, e esfregávamos nossas meias pra talvez esquentar o frio que sentíamos – dentro de nós -.
    Eu só ainda não entendi o que você foi fazer longe daqui, longe do s[m]eu mundo. Saiu sem nada dizer, sem alguma explicação. Não sei porque ainda procuro respostas. Acordei e...


“Eu não entendo, sei que estar ao teu lado é o que eu mais quero com todas minhas forças embora meu desejo de sair, livre por aí, sem direção, seja maior. E eu guardo comigo tudo o que vivi junto de ti. Guardo na memória nosso primeiro abraço e, se quiser, ainda posso recordar a imagem de nossos longos braços se entrelaçando e formando um só. Você me aquecia quando ventava lá fora e, como naqueles filmes americanos, levava teu guarda-chuva a me acompanhar até o carro, abria a porta e eu me despedia de ti, você logo adivinhava o que eu faria. Jogava-o para o alto e saíamos correndo, pisando em poças sujas na avenida. Eu a rodava e era como se o mundo estivesse rodando também, nossos olhos fechados.
Agora, os seus estão fechados, você dorme. E eu te olho. Olho pensando em como estará quando acordar e ler isto que agora escrevo. Não que você não sobreviverá sem mim, mas já havíamos enfiado nossas garras na terra e, sim, imaginava que ali elas se fixariam, firmes. Nada as deteria, exceto um sonho. Sonhei com tudo o que planejamos juntos, nossos filhos pulando e cantando as primeiras músicas que aprenderiam com a professora no primário. Sonhei com o cheiro do jantar fresco que você prepararia quando chegasse cansado depois de mais um dia exaustivo de trabalho, jogaria a maleta ao chão e correria desfazer o rabo de cavalo, afagaria seus cabelos e adivinharia num estalo: fragrância de camomila, aquela que eu adorava sentir em seus fios.
Sinto em dizer que não fui um sonho teu, e há agora uma faca afiada cortando-me o peito por estar usando o passado dos verbos a que me refiro. Eu, sinceramente, não tenho o que dizer, quero fugir de mim, quero tentar me enganar dizendo que tudo acabou quando poderia apenas começar.
Não posso esperar mais, um minuto apenas e eu desisto de ir pra ficar aqui, te olhando. Mas você irá despertar e eu não terei coragem. Sou mesmo um covarde e espero estar bem longe daqui quando você pensar em sair correndo a gritar pela avenida recheada de folhas secas. Eu não estarei mais por perto. E mesmo se estiver a te observar, uma vez que passar pela porta, não haverá retorno. Minha passagem é só ida. E assim foi com nosso amor.
Esse algodão que está agora a olhar representa tudo o que fui a você: simples ilusão. Parece nuvem, parece fumaça, parece até doce. No fundo, não passa de algo seco, sem gosto, sem cor, sua maior utilidade é secar machucados, cicatrizes. Espero que quando o pegue, seque seu coração.
Prometa-me uma única coisa, antes que eu me levante e corra por aí, sem direção? Se houver volta, não aceite, não me abrigue. Tranque as portas, troque todas as fechaduras; eu ainda tenho as chaves e sei que não irei me desfazer delas. Nem poderia, foi ao abri-las que eu encontrei a felicidade. Estou me despedindo dela, pelo resto de mim e do que resta de mim. Não há perdão, por isso não irei me referir a nada que te provoque piedade. Você não merece, não ME merece.
Seja feliz!”


    Foi arranhando as unhas compridas pela folha áspera que senti a boca amarga e, num súbito delírio de exterminar-me do universo lembrei-me do maior sentimento que haveria de existir. Havia parte dele comigo a qual ninguém nem nada poderiam tirar. Eu lutaria, com todas as forças e com as garras que restaram do arsenal que antes possuía, estas que ainda eram minhas, para que a felicidade que desejou-me se materializasse. Não era mais uma, não mais singular. Éramos plural, dois.
    Senti algo mover-se dentro de mim e, não mais fugaz, era permanente. Passando os dedos pelas linhas de minha barriga, eu a sentia, ele estava ali, fisicamente visível. Era real, não fazia mais parte de mera ilusão criada durante todo meus dias vividos com medo dos meus próprios olhos.
    Eu chorava, mas eram lágrimas de algo inexplicável, indizível. Estava pronta para enfrentar uma guerra se preciso fosse, mas viva. Seu coração batia, eu podia sentir, junto do meu.
    Seu nome será Beatriz: aquela que é capaz de trazer de volta a felicidade já perdida, sonhos de algodão.

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

Aos dezessete.

   
"Enquanto espero
Escrevo uns versos
Depois rasgo"
[Adriana Calcanhoto.]

    Argh, essa fase transitória que vive-se aos dezessete anos deve ser – ou é - a pior delas. Não que eu tenha que decidir a vida assim, do nada. Mas é incrível como as coisas mudam o tempo todo – e pra pior -. Cadê minhas bonecas em cima da cama ou meu jogo de tabuleiro que fazia-me a alegria nos fins de tarde?
    Não, responsabilidade, juízo e decisão. São essas as três palavras que me aporrinham pelas costas. Até a época de colegial, não há nada a se fazer porque, obrigatoriamente pra conseguir-se um emprego decente, precisa-se do certificado de conclusão do Ensino Médio. Mas, depois que tudo isso chega ao fim, a bola de neve acumulada no topo da montanha simplesmente desbarranca-se sobre sua cabeça e, é hora de saber simplesmente o que vai ser pelo resto dos dias.
    Você chora de saudade dos amigos que não verá diariamente e chora porque você tornou-se, sem querer nem pedir, um adulto estressado.
    É até engraçado e bizarro como já acostumamo-nos com a ideia de decidir-se facilmente. Mas não se tratam de opiniões maduras. É muito fácil saber o que vai vestir pra ir ao curso de inglês ou a matéria do próximo teste de Biologia. Difícil é decidir-se sobre o futuro. Vestibulares, universidades federais, provas de conhecimentos gerais, mercado de trabalho, renda mensal...
    Sem contar que, o desespero aflora quando as notas começam a aparecer em listas e você nunca encontra seu nome. “Pronto, mais um ano perdido” é o primeiro pensamento. Agora a cabeça está a milhão e você se sente uma inutilidade da natureza. Não dá pra analisar as notas de corte porque sua mão sequer deixa de tanto que treme. Ok, próximo passo: anotar telefones de dez cursinhos pré-vestibulares. Mais dois semestres com fórmulas de Física, conceitos de Geografia, versos de Literatura, contas colossais de Matemática e diálogos para tradução de Inglês.
    Não que eu já não tenha me acostumado a passar madrugadas em claro, estudando, mas seria tão mais fácil se eu decidisse ser algo mais simples, que não necessitasse de certificados nem aprovações. Mas o labirinto é sempre mais instigante porque você precisa encontrar a saída para ver-se livre, e isso é, claro e óbvio, muito mais demorado e radical do que um corredor reto e todo iluminado onde o fim é a porta que está ali, a sua frente.
    Qual é a graça de conseguir o que se espera com facilidade? Logo estará você a procura de algo que faça você sentir-se... importante.
    A gente gosta mesmo é de adrenalina e competição – ou de sofrer, quem sabe -.
    E é realidade quando os pais passam a mão na cabeça e dizem num tom baixo de voz: “Filho, tudo tem seu tempo, não se desespere.”
    Mas NÃO, estamos cheios de hormônios dispostos e que querem o tempo todo que tudo seja rápido, pra ontem. E sim, faremos/falaremos o mesmo a nossos herdeiros. E sim, daremos altas gargalhadas desse tempo engraçado e cômico que passamos, esperando merecer tudo e, no mesmo minuto, sentindo-se o mais incapaz do universo.
    Adolescência. É a vida transmutando. E não adianta querer dizer nada que conforte, o que é certo é o que se acha até que consigam provar-lhe o contrário.
    O mundo que nos aguente, ele é grande o bastante para isso.
   E quando estivermos, finalmente, ao Baile de Formatura, recebendo a graduação tão esperada, quando o canudo chegar em nossas mãos, não terá mais graça. “Quero mesmo é saber quando será o resultado pro curso de pós-graduação ao qual me inscrevi.” E por aí vai, mestrados, doutorados, quem sabe até outro curso superior. O ciclo nunca acaba. Todo mundo possui um ser desesperado dentro se si, somos seres humanos.
    Tenho certeza de que quando tiver sua casa própria numa praia lindíssima, o que queria mesmo era que fosse numa praia deserta. Ter um iate não vale a pena, melhor mesmo seria um Titanic. E o cenário não se inverte, os atores entram e saem o tempo todo. A grama do vizinho é sempre mais verde, não?
    Agora, diga-me, pra quê descabelar-se se sabemos que nunca iremos aquietar essa maquininha de fazer sonhos que é você? Como dar o próximo passo sem antes fantasiar que, no fim do arco-íris sempre tem um pode de ouro, e você poderá ser o dono? Pois, pobres que somos, devemos mesmo é sonhar, afinal, é bom, bonito e nada de capitalismo, cortesia da casa, “na faixa”, é de graça.